domingo, 14 de junho de 2009

207 [Parte 1 de 3]

Assim como cadáveres ressecados clamando ao imenso destino e tempo que desfizesse logo seus corpos podres e já sem vida, as árvores se curvavam para aquela ínfima estrada de terra por onde passava Abbey, como se estivesse a observar atentamente um novo programa de TV. De tão alta quer era a audiência e a imensa euforia dos seres, as folhas marrom-escuro chacoalhavam maniacamente no fraco vento daquele entardecer lacônico e perturbador.
Abbey voltava para casa após um longo e aparente interminável dia de trabalho. Como se a pilha de papéis e processos que outrora agrupavam-se na sua mesa, a sua frente, agora tivessem virado árvores. O contraste triste que a cor dos galhos e as folha e a terra faziam com o céu e a miúda iluminação dos postes era única. Como se fosse uma prisma que, pelos feixes distantes do sol transformava o ambiente numa chuva de decadência e solidão. Caminhava despercebido pela estrada de terra batida, deixando seus pensamentos ganharem vida e voarem desnorteados pelo céu sombrio.
Era um rapaz que, naquele local passaria despercebido, como que camuflado; Seus cabelos curtos, olhos e roupas negras misturadas ao corpo algo e esguio mais pareciam uma daquelas árvores mortificadas. Além da exaustão do serviço, não conseguia nunca tirar da cabeça todos os dissabores de seu cotidiano, fossem eles pequenos ou grandes. Todas as tristezas e angustias andavam em suas costas, curvando-o e o tornando-o submisso a todas as desavenças. Carregava também no fundo, bem no fundo, os sonhos e a felicidade nostálgicas. Nos momentos mais desagradáveis de sua vida, pensava nessas coisas mas, ao mesmo tempo que se sentia melhor, sentia-se pior ainda com a distância de tudo isso, de toda a sua utopia mumificada. O vazio preenchido pela beleza apodrece ainda mais a existência de Abbey. E não é o fato de tudo isso atacar-lhe impiedosamente e de forma traiçoeira que o magoa, mas sim o fato daqueles sentimentos especiais que guardara com tanto apreço deixarem-no ainda pior.
Praguejava em um tom bem audível enquanto caminhava, tanto pelo fato de seus pensamentos tomarem tanto de si mesmo que não conseguia mante-los em seu âmago como também por saber que não haveria ninguém para ouvi-lo. O som ecoava pelos desconhecidos recantos da escuridão e morte que o cercavam.
Enquanto andava, cada mais depressa, movido pela fúria contra si mesmo e a confusão dos sentimentos de outrora, sentiu uma vibração constante no bolso esquerdo de sua calça. Era inacreditável o fato do celular funcionar naquele lugar já esquecido e ainda mais estranho foi Abbey antende-lo. O celular para ele era semelhante a um enfeite que usava apenas para mostrar aos outros ou para fazer brilhar em algo sua excência, já que não o usava e detestava-o.
Retirou o celular negro, pequeno e retangular com algumas luzinhas piscando de seu bolso, abriu-o e o levou ao ouvido. Pressentia que não eram boas notícias.
-Alô? -Disse em voz desanimada, uma palavra enfadonha mas não pensara em nada melhor a dizer.
-Abbey? -Respondeu uma voz bem calma, feminina e sonora. Notava-se pequenos alterações nela como se, de súbito, começaria a gritar. -Finalmente atendeu. Você tem isso só de enfeite?
-Mais ou menos.
-Pois não deveria. -Como dito antes, já aumentando o tom da voz, passando do singelo agudo para o grave irritante. -Saiba que numa emergência esse celular pode vir a ser útil.
-Se for uma emergência de verdade -Replicou Abbey com voz calma e imperturbável enquanto prosseguia seu trajeto. - Chamariam a quem pudesse resolver e não a mim que não poderia fazer nada.
-E se for algo que aconteça a você?
-Bom, os jornais contaram as boas-novas.
-E se for algo urgente, algo que você necessite saber?
Abbey mudificou-se, mas logo mudou de assunto.
-Bom, que seja. Está é uma?
-Não que seja... Bom... Liguei porque deveria... Bem...
-Fale logo.
As árvores simbilavam com mais violência agora, derrubando suas folhas pela estrada como um prenúncio.
-Mas... bem... como posso dizer...
-Falando talvez, inventaram as palavras para isso.
-OK, senhor irritadinho. Recebi uma ligação hoje de manhã da Dona Valeria pedindo que fossemos logo a casa dela. Estranhei ela ter ligado pois... Bom, você sabe bem o porque. Mas não consegui remediar e lhe liguei imediatamente.
Abbey sentia agora seu coração bater violentamente, já passando as costelas, o peito e a camisa, em uma súbita alucinação podia até -lo. Toda aquela tristeza e confusão deram lugar a um inevitável e violento desespero, uma inaflingível angústia. Seguia olhando reto, mas não via a estrada. Não visualizava a estrada e não ouvia o que lhe dizia pelo telefone, apenas olhava as palavras tremulando a sua frente em diversos tipos de cores frias.
-Fala!
-CALMA... Bem, não sei como dizer-lhe mas... -Por um segundo o mundo parou, enturveceu-se. Não havia céu, chão, árvores, oxigênio... Nada - A Ashby morreu.
E o mundo acabou.

Mas ressurgiu subitamente.
-Abbey! Abbey! Responda! Fala alguma coisa -A voz calma estava agora desesperada, frenética.
Abbey se encontrava ajoelhado e fitando o chão, o celular continuava na orelha direita, mas era como se todas as palavras não fizessem mais sentido, como se fosse de alguma língua extraterrestre.
Mesmo que tentasse organizar seus pensamentos, seria em vão. O suor e as lágrimas escorriam avidamente pelo seu rosto, sem dar sinal algum de trégua. Era como se o dilacerassem. Quase debilmente voltou a si e conseguiu falar, como em um suspiro:
-Como aconteceu?
-Bem... ela se matou.
-Imaginava que isso aconteceria, quase que esperava, mas não posso...não podia... não, não queria crer.
-Olha.. Onde você está? Você está bem?
-Claro que estou! Não poderia estar melhor! Por que não? Ela somente foi a pessoa mais importante de minha vida. Alguém que eu realmente amei e que podia compartilhar tudo. A garota mais bela da cidade, do mundo que perdi por desgraças mútuas. Por que estaria mal?
-Eu só queria..
-Me ajudar? Me ajudaria muito mais trazendo-a de volta ou simplesmente de calando! -Sua intenção era de desligar mas antes que o pudesse, por impulso que ele mesmo desconhecia, jogou-o por entre as árvores e desapareceu no mesmo instante. Talvez tenha batido em uma rocha e se quebrado, não se sabe.
Era como um sonho, na verdade um pesadelo. O tempo passava de forma surreal e incompreensiva enquanto os passos pareciam estar já fora de órbita. Abbey caiu de bruços com as mãos na face e desabou a chorar incontrolávelmente. Assim, o vento a soprar, chorou junto.

Abbey acendeu um cigarro que tremia incansávelmente em seus dedos. Somente acender o isqueiro já fora complicado, pois suas respiração ofegante e desritmada apagava a fraca chama que reacendia-se novamente pelos seus dedos. Ao conseguir, tragou profundamente do cigarro, tentando engolir a fumaça como engolir a sua 'paz' que o havia deixado. Era como um redemoinho maldito e incontrolável de memórias. Flashes passavam insistentemente em sua cabeça a cada vez que via o rosto ilusório de Ashby no vendo. Tragava novamente. Já nem parecia mais expelir a fumaça.
Em seu âmago, havia um batalhão de sentimentos e memórias aturdindo por aquela morte quase previsível. A culpa por não ter feito algo enquanto era possível feria-o profundamente. O desejo de fazer novamente por um motivo ínfimo ou a vontade de tentar algo que fizera de forma errônea por orgulho ou um sentimento bobo, ardiam em seu coração revoltosamente.
Os sorrisos, o calor, as lágrimas, os abraços... Tudo de Ashby rebelavam-se instantaneamente e descontroladas em seu interior. Não podia classifica-las, mas podia dizer, honradamente, que ela fora a pessoa que mais amou em sua vida. Era como se, agora mesmo, já não a visse ou falasse-lhe por um longo, longo tempo. Somente a ausência dela o fez perceber o quanto sentia sua falta. Na separação e no prosseguir dos meses foi até suportável mas, se houvesse sentido o que sentia agora, certamente não haveria tanta magoa para ambos. E em sentimento de estupidez, corroia-se.
Seu corpo, por dentro, remoia-se incessantemente, como estraçalhado por um liquidificador sádico. mas seu exterior aparentava somente apenas as lágrimas, o andar descompassado e a aparência semi-morta. O cigarro quase queimava-lhe os dedos mas Abbey não sentia absolutamente nada fora de seu coração.
Acabou por ceder a cansaço. Inconscientemente caiu de joelhos, derrubando o cigarro e em movimento a cair de bruços no chão com as lágrimas por amortecer a queda. Caiu de rosto virado e sentia o chão umidecer-se lentamente, mas isso não o importunava, não tinha a menor relevância. Somente ela... Ela que já não existia mais. Cerrou seus olhos e sussurrou palavras inaudíveis até para ele mesmo. Voltara a notar o mundo exterior, mas aquilo não o gradava nem um pouco. Se um machado o decepasse, realizaria a sua maior felicidade. Mas era óbvio que isso não aconteceria e ele não encontrava forças para fazer nada contra si mesmo. Como se a densidade da gravidade houvesse aumentado, permanecia deitado deixando-se corroer , a esperar o pior.
-Por favor, não chore. -Ouviu uma voz delicada dizer.

(continua)





Bom, estive até que enrolando para postar ele mas a verdade é que está um tanto quanto complicado. Espero que gostem e leiam a continuação. Assim, entenderão também o porque do nome do conto.
Até daqui a alguns dias!

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