terça-feira, 9 de junho de 2009

E se eu finalmente pudesse voar?

Desde que dou por conta de mim mesmo, de minhas vontades excêntricas e desejos irrealizáveis, sempre se sobrepujou às outras a vontade de voar. Sei muito bem que não sou o único a querer uma coisa dessas e sei também que não serei o último. A muitos tempos idos, inventaram o avião, após ele ultra-leves e diversas alterações, mas com o único intuito de estar no meio das nuvens, distante do carrasco, absorto de seus crimes, livre de seus grilhões e, acima de tudo, indiferente a seus medos... Gradativamente mais próximo de algum Deus.
No começo somente via o fato de voar ou até mesmo flutuar como uma fuga. Seja fuga da realidade, dos problemas, das pessoas ou de tudo isso e muito mais ou de nenhuma delas. Mas conforme foram se passando os anos, comecei a ver tudo isso de uma forma simbólica somente, quase que angelical. Ter asas... tal qual anjos, pássaros ou demônios... E aquilo que me era uma vontade, transformou-se em uma obsessão até por fim tornar-se apenas um sonho inalcansável que via tremular em todas as minhas palavras e ambições. Chegava até a pensar que tinha realmente asas, mas não sabia como usa-las.
A cada dia que se passava, minha vontade de ter asas, de voar, de ser diferente, de alcanças meus sonhos e, assim, minha vida... A cada instante eu via tudo isso de uma forma ainda mais impossível, até mesmo surreal. Infelizmente, eu não era o único que pensava assim, cometi o terrível equivoco de contar a algumas pessoas minha vontade. Talvez somente quisesse partilhar um sentimento, mas o que pareceu foi que havia feito uma piada e recebido uma salva de vaias. Fato pelo qual, praticamente, abdiquei de meu único objetivo, de minha suprema obsessão.
Dessa forma passaram minutos, horas, dias, semanas, meses, trimestres,anos,décadas, até que quando eu praticamente já tinha jogado aquele sonho no "lixo reciclável de esperanças perdidas", algo me fez reaviver todas aquelas emoções. Não, eu não vi um corvo sobrevoando planícies grotescas de uma civilização distante. Também não presenciei uma galinha pegando impulso e tentando alçar vôo com suas curtas e deficientes asas mirradas. Tampouco fiquei a fitar um jato passar acima de minha cabeça. Eu simplesmente cai.
Estava debruçado em minha janela, fumando o terceiro cigarro consecutivo, colocando quase todo o peso de meu corpo para frente com o intuito de impedir a fumaça de entrar em meu quarto. Porem, de tanto inclinar-me, acabei por me desequilibrar e cair daquela janela.
Era uma queda um tanto quanto curta, cerca de 3 metros. Mas, enquanto caia, aquelas minhas divagações vieram a tona e a vontade de me libertar das algemas da crueldade e da realidade, da hipocrisia e da falta de fantasia e simplesmente planar no céu nublado me fez novamente uma criança perdida e desesperada que daria toda a sua vida de ventura por uma diversão momentânea. Entregaria um destino em troca de um sonho, de um outro universo, de uma outra visão. Mas meu desejo não tornou-se realidade e terminei por desabar no asfalto.
Assim, uma das poucas coisas que se sucederam foram a dor, a desilusão e a impotência por não conseguir me mover ou até mesmo pensar em algo mais racional.

~

-Tristes os sonhos não se tornarem realidade tão simplesmente, não é? -Disse uma voz feminina e suave acima de minha cabeça
Meu corpo doia intensamente, por completo, que somente o fato de pensar soltava um impulso frenético e latejante de dor, fazendo-me permanecer deitado de bruços. Porém, a curiosidade era tanta, que não podia me deixar vencer.
-Realmente... Não acho que seria injusto ocorrerem pequenas excessões. - Consegui murmurar com o rosto colado no chão, sentindo o gosto do sangue em meus lábios
-Seria. Pois se pode haver uma para você, deveria haver uma para todos.
-Segredos pequenos não matam, ninguém ficaria sabendo.
-Acho difícil. -Disse dando uma leve risada. -Aliás, acho impossível ninguém notar um ser humano voando por aí.
Meu coração gelou por completo naquele instante, como ela poderia saber isso de mim? Talvez ela me conhecesse muito bem ou simplesmente fosse uma telepata, mas acho que uma coisa dessas não existe. Com a respiração entrelaçada à surpresa e ao medo, cortada pela dor em meus pulmões, consegui dizer com certa dificuldade:
-Como sabe disso?
-Foi um mero palpite e, pelo visto, acertei.
-Mas... -Forcei pelo menos minha cabeça para -la. A curiosidade era muito maior comparada a dor que sentia. -... Por que dizes isso? -Movi minha cabeça e abri os olhos. Meu coração parou novamente e, dessa vez, achei que fosse a última. Minhas palavras e pensamentos desapareceram no vácuo. Se soubesse descrever ou, pelo menos, entender seria bem mais fácil expressar. Mas não me é possível, estava irremediavelmente apaixonado.
Era uma mulher de baixa estatura, cabelos longos e negros, olhos igualmente escuros e profundos, lábios perfeitos em um rosto puramente bem desenhado, mãos macias e uma voz simplesmente encantadora.Atraveria-me a dizer "viciante", assim como "tentadora" era o sinônimo de sua pele, não havia dúvida alguma que estava fitando como um idiota um anjo. Os instantes em que permaneci a olhando pareciam não terminar nunca e, na verdade, eu tinha até medo que ele se terminasse. Gostaria de ficar mais alguns longos instantes presos nos seus olhos. Até que ela falou:
-Você deve estar pensando agora no que eu sou ou o que estou fazendo e, pra falar vem a verdade, nem eu mesma sei direito. A única coisa que tenho consciência é que tens o mesmo desejo que o meu.
-Vo-Voar?
-Exatamente, e eu posso conceder-lhe essa opotunidade.
-Mas você mesma disse...
-Eu sei que disse que se abrisse uma excessão, um momento, para você, teria de da-la a todos. Mas não estou me referindo a uma simples oportunidade e sim uma decisão. Uma escolha que cabe somente a você.
-E qual seria essa escolha?
-Você realmente deseja voar?
-Claro que sim.
-Portando basta-lhe pagar um pequeno preço.
-E qual o preço dessa oportunidade?
-Sua vida.

~

Por alguns instantes, vieram-me em mente todos os instantes de minha infância e juventude e o que poderia acontecer no futuro, todos os sentimentos... Tendo em uma mão a possibilidade e em outra a utopia de uma vida inteira, saberia muito bem o que escolher. Mas aquele anjo em minha frente entrava... Invadia meus pensamentos, sei muito bem que que era a primeira vez que a via, mas não queria que fosse a última.
-Antes de eu lhe dar a resposta, diga-me quem é você?
-O seu sonho...
Não havia o que considerar e nem mesmo o que retrucar. Sabia o que isso significava e tinha certeza do que eu queria.
Foi o melhor dia da minha vida!
Em um instante, estava jogado no chão frente à uma pessoa que conseguiu abalar meus sentimentos de uma forma tão surreal e rápida, porem verdadeira, e no segundo seguinte estava atravessando as nuvens e o ar a seu lado.
Estava em meu paraíso, inerte em meu extase. Toda a minha vida parecia fazer sentido agora.
Gostaria que esse momento tivesse durado para sempre. Mas sei bem que "para sempre" é tempo demais. E, mesmo morto, guardo as lembranças de um sonho que se tornou realidade, de um dia perfeito, de uma vida e de um provável amor eterno.
Mas, não me arrependo. Ao menos fui feliz.
Obrigado.

Nenhum comentário:

Postar um comentário